Fábio Mazzitelli
Ao pé da letra, o técnico Darío Pereyra não gosta de brincar em serviço.
Faz algum tempo que Darío Pereyra deixou de lado os livros de ficção do best-seller Sidney Sheldon. Algo sintomático. Principalmente para quem quer vencer como técnico do Corinthians hoje em dia. Com os dois pés na realidade, o treinador do Timão completou o período de pré-temporada, em Atibaia, sem receber sequer um reforço a tempo de prepará-lo para a estréia na temporada, nesta quarta-feira, contra o Botafogo, no Rio. Otacílio e Gléguer, os primeiros contratados, chegaram na última sexta-feira, e Gallo só se apresenta hoje no Parque São Jorge. O atacante Paulo Nunes, cujo acerto está apalavrado, pode ser anunciado nos próximos dias.
Em entrevista exclusiva ao LANCE!, concedida ainda em Atibaia, Darío fala dos métodos que está usando para recuperar a auto-estima do elenco e do próprio estilo, marcado pela seriedade de quem não gosta de brincar nem em pelada. Para saber o porquê de tamanha sisudez, comece lendo a primeira resposta do técnico corintiano.
Lance!É verdade que você não gosta mais de jogar bola,
participar de peladas?
DARÍO PEREYRA: Isso é verdade. Já joguei várias
vezes, mas não jogo mais por dois motivos.
Primeiro porque a gente joga pra se divertir e o
pessoal que está do outro lado quer ganhar de
qualquer jeito pra ficar contando pra todo mundo e
tirando sarro. E eu não gosto de perder. O outro
time sempre começa a chegar junto, dar carrinho...
Ao invés de ser uma diversão, passa a ser uma
chateação. Então, se jogo, é só entre família ou
amigos. Na última vez que joguei, pela comissão
técnica do Guarani, dei uns carrinhos e o cara
saiu machucado. Se perco, fico chateado. Então,
prefiro não jogar.
L!: Por falar em chateação, o que te irrita mais
no trabalho?
DP: O que me irrita é, logicamente, o jogador não
correr dentro do campo. Mas a gente procura nas
conversas mentalizar os jogadores de que 70% do
futebol de hoje é físico. Tem vários exemplos. O
Ronaldinho Gaúcho estava com três quilos a mais e
não estava jogando bem. Depois disso, emagreceu e
levou o Grêmio quase às finais. Outro exemplo é o
Romário. Um tempo atrás ele não se cuidava. Hoje,
ele pode ficar um bom tempo parado em campo, mas
depois tem força pra pegar na bola, fazer uma
jogada e um gol. Porque está se cuidando. Nunca
tive um problema com atleta que me forçasse a
afastá-lo. Às vezes, acontece de a minha opinião
não ser a mesma do jogador. Em 97, o Aristizábal
fez um ano muito bom no São Paulo e, em 98, não
estava bem. Falei com ele e não o coloquei mais.
Comecei a pôr o Adriano. Aí ele ficou chateado.
Achava que merecia jogar. Ele não estava bem e
ficou de fora. O atleta não se convence de que não
está bem e é esse atrito que aparece. O jogador
não tem a consciência e a humildade de reconhecer.
L!: Se um atleta brincar contigo, você aceita, se
cala ou repreende?
DP: Permito diálogo, conversa, mas brincadeira
não. Já não sou muito de brincar. Acho que se você
ficar brincando muito com jogador, ele também tem
o direito de brincar com você. É o meu estilo.
Acho que os jogadores têm que brincar entre eles
mesmos porque têm mais confiança, a mesma idade...
Brincadeiras têm de ser entre amigos, conhecidos,
senão pode ultrapassar a confiança. Nunca brinquei
com treinador.
L!: Qual é o seu sonho profissional?
DP: Pra mim, sonho ainda é ganhar campeonatos aqui
no Brasil. Já fui campeão estadual em Minas, mas
quero fazer um currículo no Brasil como o
Wanderley (Luxemburgo) e o Luiz Felipe (Scolari),
e me transformar em um treinador consagrado.
L!: Dá para fazer isso com o Corinthians que você
tem nas mãos?
DP: Lógico que trabalhar com grandes contratações
facilita porque o talento não se compara a
qualquer trabalho tático ou físico que se faça.
Talento é o que vale. Geralmente, o time que ganha
os campeonatos é aquele que investe em grandes
jogadores. O São Caetano é uma exceção. Desde o
começo da João Havelange, eu falava que o Vasco ia
ser o campeão. Continuo achando isso. Pegar o
Corinthians nessas circunstâncias é diferente de
pegar um time em condições de comprar. Mas a
história do Wanderley começou com um título no
Bragantino, sem estrelas.
L!: A cara do Corinthians do Darío está mais para
o time do Mundial de Clubes ou da João Havelange?
DP: Por enquanto, só posso falar que é um time
bom. Aquele Corinthians que conquistou tudo não
existe mais. Saíram seis jogadores. Agora é outro
time, que está começando tudo de novo. Estamos
montando uma outra equipe e confio nesse
Corinthians. Trabalho com a realidade e estou
trabalhando com o que tenho nas mãos, pois quero
formar um time competitivo com esses jogadores.
Reforçar o time está na mão da diretoria e das
possibilidades econômicas, o que está muito além
de mim.
L!: Qual o porquê da sessão de vídeo, durante a
pré-temporada, com os melhores momentos de 2000?
DP: Passei um vídeo com um apanhado de jogadas da
maioria dos atletas do grupo. Dos melhores
momentos que eles viveram nos últimos anos. Tudo
que eles fizeram de bom. Para ficar na memória. O
jogador que está aqui hoje fez coisa boa e tem
mérito para estar aqui, mesmo que tenha
participado menos. Uma fase negativa não pode
apagar as coisas boas. Vamos resgatar o brio de
cada um. O que ele fazia naquela época? Como ele
jogava? É possível resgatar isso, mas não é fácil.
É preciso que todos colaborem, um dando apoio para
o outro. Se a gente perder a primeira, vamos
perder a primeira esse ano. O que passou
anteriormente não é culpa nossa. Já passou. Era
outro campeonato, era outra coisa. Vamos entrar
2001 zerados.