Alberto Gomide

O Sr. se lembra como foi o seu primeiro contato com um computador?
Gomide: O meu primeiro contato com um computador foi muito antes, em 1969, quando eu comecei a estagiar no Instituto Astronômico da USP , com o Prof. Dr. Paulo Benevides Soares e o Prof. Dr. Abrahão de Moraes. O Instituto Astronômico tinha acesso a um dos computadores IBM que ficavam no CCE. Era um computador bastante poderoso na época e tinha 3Kb de memória (risos), eu desenvolvia programas científicos.

Os Srs. poderiam citar algumas situações anedóticas das quais tenham participado nessa fase?
Demi: Teve uma que o Gomide me aprontou. Em 1989, o CERT - Computer Emergency Response Team, enviou um alerta pela HepNet sobre o WANK - Worms Against Nuclear Killers, dizendo que um "verme" decnet perigosíssimo entraria no computador fazendo um estrago. Apareceria um desenho (vide o link anterior) na tela caso houvesse infecção, e tínhamos que tomar muito cuidado. Num sábado de manhã, cheguei, liguei o meu pobre VT100, e quando vejo na tela: WANK!!! Saí correndo. Na sala tinha um botão que desligava tudo, apertei e fiquei aliviado. Quando cheguei na segunda-feira, o Gomide me falou: "Ah, eu deixei na sua tela aquele negócio do WANK para você ver como era". Fiquei inconformado (risos) e demorei umas 8 horas para reconstruir os discos, remontar as conexões e tudo mais...!

Muito antes de haver domínios e Internet, a gente já se divertia muito com a própria Bitnet. Uma das coisas mais interessantes na Bitnet, da qual participamos em 89, era o fato de que a gente tinha os servidores de listas de e-mail, os famosos Bitnet ListServers - um conceito praticamente inventado pelo pessoal da Bitnet. Então havia os servidores de lista e a gente se inscrevia, o que gerava situações das mais engraçadas possíveis. Começamos a configurar os ListServers e quando uma pessoa respondia para a lista, essa lista repassava a resposta para todo mundo, enquanto, na verdade, ela deveria repassar para uma pessoa só, que seria o moderador. Só que tínhamos configurado os ListServers de modo errado e todo mundo recebia resposta. Cada um que escrevia uma bobagem qualquer na lista gerava um efeito "cascata", milhares de respostas com pessoas dizendo: "por que você está mandando pra mim? Conserte isso!"

Houve um fim de semana que tivemos que tirar a máquina fora do ar e copiar para fita todos os conjuntos de e-mails que estavam enfileirados para sair, pra tentar fazer um programa de filtro que conseguisse eliminar todas as reclamações, sem mandá-las de volta para a lista. Nós passamos uns dois dias destrinchando esses e-mails, mas depois deu tudo certo e passamos a gerenciar as listas da forma correta, para colocar no ar a famosa Ópera-L. Era uma lista sobre ópera.

Ninguém sabia que era uma lista que rodava no Brasil. Muita coisa entrava e saía do País. Nós tínhamos banda sobrando para saídas, porque no Brasil não se gerava muita coisa. A gente copiava as informações de fora. Então uma lista no Brasil funcionaria bem, e realmente funcionou durante muito tempo. A lista era tocada pelo Gomide e por mim. Achavam inclusive que a gente era uma dupla oficial, "coisas da vida".

A Ópera-L rodou no Brasil e até hoje existem referências a ela. Porque, de brasileiros, só nós dois e uma outra pessoa do Rio de Janeiro fazíamos parte da lista. Os demais eram montadores de ópera, cantores etc. Eu só ficava ouvindo. Durou bastante tempo até que o Gomide repassou para a New York City University, pois nós não tínhamos mais banda. Hoje em dia, acreditamos que a lista não esteja mais no ar.

Gomide: As listas de discussão caíram em desuso, o pessoal não tem usado tanto como antes. Hoje é muito fácil você fazer chats, blogs, contatos no Orkut, em vez de criar as velhas listas. No entanto, elas foram muito importantes nessa época, levando o Brasil a ser conhecido.

Demi: O Gomide coordenava a lista inteira, mas sempre tinha alguém perguntando porque a lista era mantida aqui, se o Brasil não entendia de ópera. A Brasnet é uma lista de brasileiros mantida no exterior, anterior à Internet. Ela rodava na Bitnet, e era muito interessante porque todo esse grupo fazia mestrado, doutorado, o pessoal específico de pesquisa da FAPESP estava na lista. Muitos deles estão hoje em instituições importantes.